sexta-feira, 4 de maio de 2012

Um desagrado reencontro


Suas roupas largas, meio esverdeadas, seus cabelos e barbas cumpridas me chamaram atenção. Me lembrara alguém. Alguém que há pouco conhecera. Olhando fixamente para a janela, não consegui ver seu rosto de imediato. Embora meus olhos não largassem àquele banco, eu não conseguia ver o garoto por completo. Via os traços, que vez ou outra a gente confunde. 

Seus cabelos inibiam a visão, por mim, de seu perfil. Mas toda àquela postura me trazia uma lembrança. O garoto lembrara um entrevistado, daqueles que o jornalista se arrepende no mesmo instante. Droga de entrevista! Droga de matéria! Era como uma dessas falsas da grande mídia. 

Deslizara no banco e, sentado com as costas, fiquei a analisá-lo. Meus olhos não saíram daquele banco em qualquer minuto. Parece que permaneci ali, imóvel. 

Com uma mala ao seu lado. Uma mala preta, simples, daquelas que todo peso fica em um lado do braço. Bastante desprendido, o garoto deixara encostada no chão. Não parecia carregar muita coisa. Talvez, algumas dessas leves peças como as que estavam em seu corpo. Uma mudança rápida. De quem vai dormir pelas calçadas.

A pauta daquele dia também falava de calçadas. Barracas e gente. E mundo. 

Segurando um amendoim e uma caixinha de bala, o garoto mastigava-as a todo instante. Como se estivesse com fome e as balas fossem resolver o problema. Mas não era isso. Só parecia. 

Agora, o garoto olhara para o lado. Para o lado em que eu estava. Acabou a agonia. Que sorte a minha. Ou não!

O que antes era apenas uma lembrança, agora era real. Eu acabara de encontrar um desses burgueses que falam em revolução. Um desses burgueses que saem de casa, mas de dia vão ao banco retirar a mesada do papai. Encontrara logo ele! Logo ele que me dissera um dia sobre igualdade social, mundo melhor. Entrevista inútil! Vazia!

Do que adianta se falar em modos, maneiras e respeito? Do que adianta falar de um País distante? Do que adianta falar da desigualdade? Do que adiantava ele falar do mundo naquele instante? Ele não queria nada. Ficar pelas calçadas, com drogas, não mudaria nada. Ah! Drogas…

Quanta hipocrisia, pensei. Quando de repente todos os passageiros me olharam. Pareciam ter ouvido meus pensamentos. Será que eu gritara? Quanta hipocrisia! 

O garoto não me vira. Nem poderia lembrar de mim. E das coisas que ele disse um dia. Nem ele sabia o que dizia. Quanta hipocrisia!

Bianca Garcia

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