O sol, que há pouco fugira, apareceu nesse dia de inverno. E cá estava
eu, em mais uma espera por transportes coletivos na cidade...
Enquanto eu me preocupara com os papéis em cima
da mesa, os e-mails, as entrevistas e meus horários, a mulher que estava ao meu
lado, também com a testa franzida, se preocupava com seu bairro, sua casa e o
horário. Éramos duas estranhas inquietas com a demora do ônibus, que por sinal
era o mesmo que iríamos pegar. Cá trazia a vida mais desconhecidos para minhas
histórias...
O relógio, que batia catorze horas quando nos encontramos, ganhara muito
rapidamente trinta minutos.
Enquanto eu me apressara para olhar a hora e olhar o horizonte em busca
do ônibus, a mulher se mexia de um lado para o outro. Nada muito exagerado,
nada que qualquer pressa deixasse percebê-la. Mas nossas inquietações nos
aproximaram quando ela disse que o ônibus não chegava. E com as circunstâncias,
eu não pude discordar. Os minutos se passavam, mas nunca nossas inquietações...
Com mais alguns passos de um lado para o outro, ela voltou a dizer sobre
a demora do ônibus. E com toda a pressa que eu estava, continuei o assunto
sobre esses atrasos, sobre a quantidade dos carros, enfim, sobre essas coisas
que as pessoas conversam em filas - mas não estávamos em uma. Era uma conversa
fora de moda, que todo mundo odeia, mas sempre troca algumas palavras sobre.
Apreensiva ela contou o motivo de toda sua pressa:
- Preciso ir para casa, meu marido já me ligou e disse que o tiroteio
começou cedo.
Calei imediatamente meus pensamentos pequeno-burgueses... E perguntei:
- Não é perigoso ir agora, então?
Obviamente ela respondeu que sim.
- É perigoso mas acabou de começar. Meu marido ligou e disse para que eu
saísse do trabalho no mesmo instante.
Continuou ela:
- Se eu não for agora, eles podem fechar a rua e eu não consigo entrar
em casa.
Nos calamos até que eu voltasse a perguntar.
- É todo dia assim?
- Toda semana. Mas ontem à noite também teve.
Continuou ela:
- Mas eu não moro na favela. Se eu morasse já tinha saído de lá.
- É perto?
- Mais ou menos. Tem uma favela de um lado e outra de outro e eu moro
perto das duas. Mas não moro nelas.
- Eles fecham, então, a principal rua que dá na sua casa, né?
- E aí eu não consigo entrar... Mas se eu morasse na favela, eu já tinha
saído de lá...
Lembrando sempre que ela não mora em "comunidade", ela disse
ainda sobre o incômodo dos barulhos: tiros, helicópteros, gritos, tiros,
gritos, helicópteros...
- Quando tem helicóptero, passa em cima de casa e eu não consigo ficar
sossegada. É um barulho muito alto, que fica um tempão...
- Mas mesmo com você que não mora na favela, eles mexem?
- Não, ninguém mexe com ninguém. Mas quando tem essas coisas, eles
fecham o comércio.
- Então você nunca nem viu?
- Não, eu nunca vi. Mas uma vez meu marido estava de um lado e os
bandidos do outro atirando. Meu marido viu tudo e um dos tiros chegou a
atravessar a janela de um ônibus que passava na rua.
Continuou ela:
- Quando tem confusão sobra para qualquer um...
- Se eu morasse na favela... Mas até que essa é pacificada...
Chegou o ônibus... E não tinha lugar para sentarmos
juntas. Despedi-me, então, silenciosamente e desejei "boa sorte"
à essa mulher - mais uma de outra realidade, pra gente, distante.
Bianca Garcia