quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ai que saudade dos meus dez anos, que saudade ingrata


Aos dez anos eu ainda me machucava e chorava. Mas fui aprendendo a ficar forte, a cair e levantar sem precisar chorar. A vovó ficava toda preocupada a cada arranhão conquistado, mas eu era uma molequinha, dessas que andam no meio dos meninos, jogam futebol, soltam pipa, apostam corrida, jogam bolinha de gude, brincam com mamonas e descem o morro, na chuva, sentada num papelão. Nessa época não tinha maquiagem para as meninas e mesmo se tivesse acho que não venceria os piques na rua. Era pique-pega, pique-esconde, pique-bandeira, pique-parede, pique de pique e polícia e ladrão. 

Aos dez anos os problemas se resumiam a contabilidade dos dias. Nessa época calcular quantos dias para as férias era o maior problema. O segundo maior era escrever uma redação sobre elas. Eu me perguntava por que faltava criatividade aos professores e me perguntava como tanta coisa para contar poderia caber naquelas linhas. Grandes problemas, não? 

Aos dez anos a fortuna que papai dava já tinha um destino. Os dez reais, que hoje não compram mais nada, eram para as bolinhas de tênis, àquelas amarelinhas que eram desperdiçadas a cada partida de taco. As bolinhas sumiam e às vezes a gente dava a sorte de encontrar quando andava no mato. Em frente ao chalé tinha um senhorzinho com um terreno cercado. Gente boa toda vida, o Seu Maninho tinha até uma vira-lata que se chamava Bolinha. Virava e mexia Bolinha tinha uns filhotes espalhados pela rua e a criançada, eu nesse meio, não dava paz para os bichinhos. Tá, mas o Seu Maninho sempre se enfiava no meio da sua hortinha para pegar nossas bolas esverdeadas, que na altura desse campeonato já estava completamente esgaçada. Não aguentava mais de duas partidas, claro que se não sumissem antes.

Aos dez anos a gente cai muitas vezes de bibicleta, patins e todas essas artimanhas que inventam para a gente. E em um desses tombos dos dez anos estava eu, novamente, e dessa vez foi um tombo daqueles. Coitada da vovó, que nesse dia não se preocupara a toa com os arranhões conquistados. Dessa vez ela teve razão para a preocupação, que não a deixava em paz quando se tratava de mim. Cai! Era machucado para tudo quanto era lado. Uma pedra entrou em um joelho, o outro com o osso à mostra, cotovelo furado e barriga marcada. Já era! Que susto! Mas esse não foi o último tombo, talvez o último de uma fase e o primeiro de uma nova. A partir daí aprendi a não chorar com machucados e a me levantar sem precisar de ninguém. E o tombo foi feio: cai de uma ladeira que era toda de terra e pedras. Já pode imaginar quanta poeira não levantou, né? Era uma névoa a minha volta e quando as pessoas chegaram eu já estava de pé. Todos se espantaram com a força. Mas até hoje consigo enganar quando sinto dores - na maioria das vezes pretendo quando elas são sobre algo que ninguém pode confirmar. No final das contas ficou tudo bem. O tombo só me fez visitar o médico duas vezes por semana e ficar de olho no joelho. Corri risco de uma cirurgia aos 10 anos. Mas passou e só precisei ficar com a perna engessada durante um mês nas férias de verão. Ah, e àquele gesso que pesava mais que minhas duas pernas juntas só me fez ficar embaixo de uma árvore esperando os amigos voltarem do clube e toparem uma brincadeira chata que exigisse imobilidade. Enquanto que calcular as férias eram os maiores problemas, ficar imóvel aos dez anos era o maior castigo. 

Aos dez anos a gente não tem quase nada. E tem muita coisa. Aos dez anos eu ainda tinha muitas coisas preciosas. Eu ainda tinha a minha vó. Àqueles olhos azuis, àquela pele clarinha e àquela doçura era certamente a mais preciosa delas. Aos dez anos a gente nem sabe o que é saudade, mas logo aprende quando perde essas "coisas". 

Ai que saudade dos meus dez anos, que saudade ingrata...

Nenhum comentário:

Postar um comentário