sábado, 1 de setembro de 2012

Zumbis da claridade


Desceram. E logo os percebi. De blusas sujas e esgaçadas, bermudas e chinelo, eles circulam pela cidade. Sempre à luz do dia eles descem para um árduo trabalho. Os zumbis da claridade não têm qualquer brilho nos olhos. Eles não se interessam pela vida, nem têm medo de perdê-la. Seus rostos não mostram qualquer medo da morte. Seus rostos são, na verdade, a morte em si. 

Com uma garrafa de água na mão, onde o líquido é inalado ao invés de ingerido, os zumbis circulam pela cidade. As mesmas mãos que seguram a garrafa, seguram cordões que estão em nossos pescoços. Sem vergonha da idade e dos olhos que os observam, eles atacam os transeuntes. Perplexos com a agilidade, os habitantes se surpreendem e discutem a capacidade humana.

Parece que os zumbis da claridade têm uma cota para entregar ao zumbi máximo e, assim, de repente eles somem das ruas agitadas. Eles se perdem em meio a movimentação urbana e são rápidos como a cidade por essa hora. Eles têm pressa, são rápidos, discretos e famintos por coisas que possam ser trocadas por outras. Por comidas que não são ingeridas, mas por outras que os alimentam sendo inaladas.

Os olhos sem brilhos dos zumbis da claridade não enxergam as estátuas da cidade maravilhosa. Os zumbis da claridade não vêem nada além da gente que tem alguma coisa para apressar seus trabalhos. Os zumbis do Rio de Janeiro se espalham pelas ruas movimentadas e pelas pessoas apressadas. Os zumbis da claridade somem em meio às pessoas, vítimas de um andar apressado e assustado.

Bianca Garcia

9 comentários:

  1. Muito bom o texto, Bianca. Mais um, não é mesmo? Gostei da forma como você retratou esse grupo tão peculiar quanto presente em nossa sociedade.

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    1. Acredito que, felizmente, por suas redondezas você não encontra esse grupo, não é? Sorte a sua, Sandro... Porque está cada dia mais complicada a vida para o lado de cá.

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  2. Olá, Bianca:

    Pois é, aqui no "interiô" a “zumbizada” tá bem diversificada.
    Além dos que você citou, tem "zumbi" viciado em telenovelas, tem "zumbi" viciado em esteticistas, tem "zumbi" viciado em fisiculturismo e tem também "zumbi" viciado em carrão importado.
    Tem "zumbi" viciado em grife, tem “zumbi” viciado em shopping e tem "zumbi" viciado em reality show.
    E tem um monte de "zumbi" que se acha melhor que os outros zumbis.
    Ah! E tem também “zumbi” - que só por ler jornal - se acha intelectual... e alguns, mais atrevidos, chegam até a fazer postagens em blogs...

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    1. Ué, Antonio, a Internet está aí para isso. Aqui se tem um mínimo de democracia: tem gente que escreve o que pensa, tem gente que reproduz pensamento e tem gente que não faz nenhuma coisa nem outra, embora aqui tenha espaço para todos. Ah, e tem leitor para tudo (ou todos, como queira).
      Mas isto não acontece só no interior, essa realidade é fruto da sociedade (pós) contemporânea. No Rio de Janeiro, em plena maior movimentação da cidade, há pessoas da forma relatada por você. Mas, talvez, não as chamaria de zumbis - pois caso circule pelas ruas do centro ou da zona sul do Rio, você vai identificar o porquê de zumbi como nomeação para as pessoas identificadas no texto.

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  3. Sim, na internet há "um mínimo de democracia" que nos possibilita, entre outras coisas, o salutar exercício do senso crítico.
    Dependentes químicos são "frutos da sociedade (pós) contemporânea"???
    Há relatos de fabricação e consumo de vinho e cerveja que datam de 6000 a.C. e de 4000 a.C. respectivamente. Folhas de coca já eram mascadas nos países andinos há 5000 anos e o cânhamo (maconha) era usado em rituais religiosos dos assírios há 3000 anos.
    Bianca, o tema "consumo de drogas" é muito mais complexo do que
    parece...

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  4. A minha resposta, Antonio, talvez pouco compreendida por você, foi relacionada aos diversos zumbis que nomeou: em telenovelas, em esteticistas, em fisioculturismo, em carrão importado, em grife, em shopping e em reality show. Bem como qualquer outro assunto relacionado ao ser humano, a droga também é complexa, mas como seu comentário não tratou dela, também não me referi. Ou seja, o que é fruto da sociedade (pós) contemporânea são esses "zumbis" relatados por você, em maioria.
    Abraço!

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  5. Texto sensível sobre o caos que atormenta não só os grandes mas,também, médios e pequenos centros urbanos... O que é algo muito infeliz. Beijos ;* Você escreve muito bem!

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    1. Infelizmente esta é uma realidade próxima de muita gente, Roberta. Esse é o resultado de um governo e uma sociedade completamente desigual.
      Obrigada pela visita, vai ser um prazer ter sua visão sobre o mundo para discutirmos aqui :)
      Bjs

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