quinta-feira, 26 de abril de 2012

Loucos

Daqui, do alto desta reclusão, posso enxergar essa cidade. Com muita indas e vindas, muitas voltas por ela, as pessoas circulam. Circulam, mas não saem do lugar. Estão presas, talvez, em uma verdade que lhes contaram. Mas, que de fato, nem existe. A verdade cada um tem a sua. São opiniões, nada mais.

Nesse vai-e-vém dessa gente, o olhar é constante, pra frente. Ninguém olha pro lado... Do lado tem um amigo. Do lado não tem nada. Do lado tem tanta gente. Mas ninguém percebe... Não vêem o amigo. Não vêem o nada. E não vêem a gente. São cegos. Nem vêem escuros, nem vêem claro. Não é nenhuma cegueira de escuridão ou claridade. São cegos de tudo. São cegos em tudo. Não vêem a vida.

Nas ruas da cidade o barulho atormenta. Só que essa gente nem sente. Não sente que além de cega, fica surda. Não vêem que além de cegos e surdos, estão loucos. Loucos por uma obsessão que valor real nem existe. Loucos por papéis. Por pequenos papéis coloridos, que só isso enxergam.

Bianca Garcia

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Logo ela!

Dia desses, disse-me que era um caminho correto e que de preocupações com ele eu não precisara. Vez ou outra ela me deixa um pensamento. No meu, diz que vai ficar tudo bem. E diz mesmo quando eu não estou preocupada. Ela, mesmo a quilômetros de distância, queria saber como estava a vida. Sua voz, doce, até quando sobre sua cabeça o mundo desabava. Sua risada rouca seguia para algumas tosses. Eram sinais de um dos maiores males sociais, que nunca poderiam ser ditos. Mas eu dizia. E ela se aborrecia. A gente ria. Logo ela! Logo ela que entendia meu caminho. E sempre que dava dizia sobre um novo texto. Dizia sobre suspresas e fazia propaganda da sobrinha pelas calmas ruas daquela cidade. Para suas amigas, uma sobrinha e tanta. Algumas me conhecem, outras apenas minhas palavras. Mas, logo ela. Logo ela que acompanhava e palpitava com a voz daqueles sessenta anos. Ah, se eu tivesse escrito algo pra ela antes de tudo. Uma pena que escrevi em uma despedida. Ah!, como queria que ela soubesse que havia um texto no mundo só pra ela. Mas, logo ela. Logo ela que conhecia muito do mundo e da vida. Logo ela que me ensinara sobre sorrir pra vida. Logo ela!

Bianca Garcia

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Ah, o subúrbio

Aqui, a rua é o quintal de casa
O barulho é, ainda, de passarinhos nos fios
O chinelo é a trave do golzinho

Aqui, os portões são os mastros da rede de vôlei
E a rua, o lugar da brincadeira
Ou da reunião com o vizinho

Aqui, as buzinas não fazem parte do barulho incessante
Não tem sirene pra todo lado
Nem transportes a todo instante


Aqui, as ruas são mais limpas
O lixeiro passa de dia
E passa na hora certinha

Aqui, as crianças correm atrás de pipas
Que vez ou outra fica no fio
No céu, a apresentação de suas danças

Aqui, não se tem muitos porteiros
Nem b
abá com mãe do lado
Aqui, no subúrbio, não tem governo circulando

Bianca Garcia

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Conversa no ônibus

Estava eu em mais um desses coletivos pela cidade, quando quatro meninos, de seis a nove anos, entraram pela porta de trás do ônibus. Estavam vindo da escola.

De repente disse o menorzinho:
 - Preciso ir pra rodoviária encontrar meu pai e depois ir pra casa.
Bem pequenininho e magro, a pele escura e os olhos verdes se perderam em meus olhos. Parecia frágil, mas não.
O outro, o mais velho do grupo, interpelou:
- Quantos anos você tem?
E ele, após pensar na idade, respondeu:
- Seis!
- Já dá pra você voltar sozinho pra casa. Eu tenho nove e vou sozinho.
Quieto ele ficou, até que seu segundo colega disse:
- É só você gravar o número do ônibus. Se precisa pegar o 128, é só gravar 1... 2... 8..., Leblon.
O outro, que perguntou sua idade, completou:
- É, fala assim: 1...2...7, esse é o número do ônibus que estamos.
- É, faz isso, grava o ônibus que precisa e vai direto pra casa. É melhor.
Após pensar nas sugestões, ele disse:
- Não, faz você.
E o que sugeriu que ele gravasse os números respondeu:
- Se eu precisar faço mesmo.
Terminaram este assunto, quando o terceiro colega, afastado de todos, pediu que eles olhassem para ele.

O ônibus parou. Era o ponto no qual eu desceria. Precisei não ver mais essas crianças, que vivem em uma realidade distante do asfalto. No morro, com nove anos, as crianças já sabem se virar, no mundo, sozinhas. 

Bianca Garcia

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Não pode ser séria essa polícia

E terminando por falar nesse lindo gigante, é uma lástima que tenha tanto problema: temos uma educação que não funciona, uma saúde que não funciona, um transporte que não funciona. Temos uma política que não funciona! 

    Voltando a falar das coisas que por aqui não funcionam, ficarei dessa vez com a polícia carioca. Uma polícia que faz parte de um plano do governo não pode ser séria. Não pode ser séria uma polícia sem salário. Uma polícia sem cursos muito mais qualificados. Não pode ser séria uma polícia sem pesquisas sociais mais profundas. Uma polícia que faz parte de um projeto finjido de segurança pública não pode ser séria. Uma polícia que fica no alto do morro sem qualquer proteção a si não pode ser séria. Não pode ser séria uma polícia sem equipamentos eficazes de proteção. Séria não pode ser uma polícia onde instrumentos necessários não se fazem presentes. Não pode ser séria uma polícia que é ameaçada. Séria não pode ser, também, uma polícia que é corrompida. Não pode ser séria uma polícia que se faz com cidadãos corruptos. Séria não pode ser uma polícia que convive com uma sociedade corrupta. Seriedade não pode existir em uma polícia que vive pra morrer. Mata pra viver. Morre tentando viver. Séria não pode ser essa polícia. Sério não pode ser o estado dessa polícia. Sério não pode ser o Estado com essa Polícia.

Bianca Garcia

Algumas pessoas...


Algumas pessoas são vazias. Umas nos trazem sentimentos. Outras não nos trazem nada. Umas mexem com a gente. Doam sorrisos. Outras nada. Algumas ficam pra sempre. Atravessam sua vida, permanecem com você mesmo à distância. Outras são passageiras. Ficam por um tempo. Não marcam. Algumas a gente já sabe que serão passageiras. Outras a gente têm certeza que são pra sempre. Com algumas a gente se engana. Algumas pessoas nos encantam com seus dons. Outras com sua beleza. Algumas outras poucas com seu caráter. Outras nos espantam com suas mentiras. Outras com sua fragilidade. Algumas com sua força de vontade. Outras nos orgulham com sua história de vida. Outras nos assustam com a banalização pela sua. Algumas nos afastam. Outras nos fazem chegar mais próximo. Algumas nos fazem querer estar mais um tempo, outras, de sair o mais rápido possível. Algumas pessoas são agradáveis, embora não traga nenhuma amizade. Outras nos proporcionam mal estar. Algumas nos trazem lembranças, outras deixaram saudade. Algumas completam nossa vida. Outras não fazem a menor diferença. Outras roubam um pouco de você. Algumas nos surpreendem com a maldade. Algumas torcem por você, outras só dizem torcer. Algumas poucas lutariam com você, outras se ausentam quando precisa. Outras dizem estar ao lado. Algumas pessoas nos emocionam, e têm uma facilidade enorme nisso. Outras não exploram nem uma lágrima. Nem um coração batendo forte. Algumas não são importantes para você. Outras, se pudesse, gostaria de congelar. Algumas pessoas te ensinam. Outras te abrem caminhos. Algumas te fazem conhecer melhor o mundo. Outras conhecer melhor a si mesma. Algumas pessoas...

Bianca Garcia

domingo, 1 de abril de 2012

Um sonho real

Estava bem distante. O som era baixo, e só com muita concentração se ouvia. Agora, mais próximo. O som se aproximara rapidamente. As sirenes são sempre inquietantes. Em apenas alguns minutos elas perpassam no poço mais profundo da minha imaginação. Às vezes, confundimos o azul com o vermelho. Eu não sabia de qual era.

Nessa cidade barulhenta, onde os carros tomam velocidade, derrubam motos, pessoas e postes, pensei, friamente, ser mais um acidente. Inquietei-me junto às sirenes. O barulho não mais me permitira outro pensamento. Dostoiévski ficara de lado. Até com todas as janelas fechadas a cidade obriga que cada um aumente seu barulho, caso queira apenas o seu. Por mais que o barulho seja do mais profundo silêncio. 

Aproximou-se a sirene. Agora, ensurdecedora. Estava próxima. Muito próxima. Fui à janela. Nelas, estavam milhões de outras cabeças. 

Lá estava. Bem abaixo de mim estava um crime. Tola, não percebi. Vi sangue, gente, sirene. Era um crime, talvez, como um desses quaisquer. Era um crime social. Em meio às esquinas da alta classe, um movimento desigual. 

No chão, um homem. Os outros correram. As fugas parecem sempre mais fáceis. Correr e fechar os olhos parece nos afastar do perigo, ou do problema. Parece que os tornam menos árduos. Mas não. Correram os meninos sem camisa, correram os que tinham cordões largos, correram os que estavam de bicicleta, correram os que tinham celular pendurado na bermuda, correram os que estavam de tênis. 

Soaram as sirenes. As sirenes voltaram a cantar.

Em meio ao movimento desse bairro burguês, uma classe sem nome preenche as calçadas sob claros olhos que não os querem enxergar.

Acordei. Que sensação estranha. Fui à janela. Era apenas um sonho. Agora a cidade dormira. Parece que dormiu pra sempre. Um dia ela acorda.

Bianca Garcia