quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A mídia da captura


Era quarta-feira 9 de novembro. E, em um dos cenários mais bonitos da cidade, passava o carro cujo traficante da maior favela da América Latina estava escondido. Segundo a polícia, era uma tentativa de fuga. Mas fora impedida por sua fabulosa atuação. É comum aqui no Rio que os carros luxuosos sejam parados, ainda mais quando se trata de um bairro nobre. Era nada menos que a Lagoa Rodrigo de Freitas.

Antônio Francisco Bonfim Lopes era o chefe do tráfico na Rocinha há seis anos. Um homem de meia idade, dono do morro e pai de sete crianças deve ter bastante respeito entre os bandidos e uma população próxima à essa realidade. Caso contrário não teria esse poder, não seria o “mestre”, o “presidente” – como ouvi dizer que era chamado por quem convivia com ele.

Era fim da noite de quarta e as notícias não poderiam ser outras: a captura do mais temido e procurado traficante do Rio. Seu rosto estampava os jornais e sua nova aparência não foi surpreendente. A foto que a polícia tinha para reconhecê-lo era bem antiga. O sorriso largo, o cabelo colorido – metade castanho, metade loiro, e a magreza não mais faziam parte da fisionomia do Nem. Quando preso, o traficante vestia uma blusa social toda fechada e um rosto completamente diferente.

Depois, no jornalismo, só se falava disso. As imagens se repetiam como se Nem fosse um grande troféu. E a chegada do traficante na sede da Polícia Federal, na Zona Portuária do Rio, também preencheu um grande espaço na grade das emissoras. Ouvi telespectadores reclamarem. Mas a mídia ainda não percebeu essa sua falha em repetir imagens, assuntos ou até reportagens.

Logo a notícia correu mundo a fora e os jornais de outros países noticiaram o fato. Afinal, faz parte do projeto que vislumbra um Rio seguro, fora das mãos dos traficantes e do poder paralelo. Um Rio de Janeiro controlado pela eficácia da segurança pública promovida por Sérgio Cabral e, o secretário de segurança do estado, José Mariano Beltrame e não mais pelo medo – que no final, continua acerca dessa sociedade acuada que nos tornamos.

É este o peso que grandes eventos esportivos mundiais trazem à cidade: “é recuperar o tempo perdido”. E perdido por autoridades que nunca se importaram – e continuam a não se importar - com as consequências de uma política ineficaz, uma política que não tem sentido quando se estuda a origem dessa palavra.

Mas, dizem algumas pessoas e algumas matérias que Nem já pretendia se entregar. Então, sabe-se lá sobre a linha - tênue - que separa sua prisão e sua entrega.

Bianca Garcia 

domingo, 13 de novembro de 2011

Cultura para quem pode pagar

Para quem se destinam os eventos culturais da cidade carioca?
São muitos os motivos que  trazem a infinidade de programas culturais cercando a cidade, inclusive, porque os maiores nomes da música brasileira, e até da estrangeira, têm o Rio como um ponto fixo de sua turnê pelo mundo. Os cariocas não podem reclamar da diversidade cultural que possuem ao seu redor. No entanto, ao tratar de valores, muda-se o cenário. Cultura é, então, um programa para a elite?
Em novembro, a elite carioca poderá contemplar o show de João Gilberto, músico brasileiro considerado o criador da Bossa Nova. Tendo sua apresentação realizada no Teatro Municipal, os ingressos variam de R$ 600 a R$ 8.400 reais. Neste caso, somente as classes altas poderão estar presentes. Um evento segregatório, já que membros da classe C, inclusive, não poderão pagar pelo valor desse ingresso. E, assim, também acontece com os espetáculos do Cirque du Soleil, onde as apresentações se restringem a um público fixo.

Segundo uma pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2010, os elevados valores excluem parte dos brasileiros quando se trata do “consumo” de cultura. A grande maioria dos entrevistados afirmou que os preços altos são obstáculos ao acesso à oferta cultural, sendo que 71% concordam que esse ponto é um importante empecilho à fruição de bens culturais. No entanto, 25% discordam e acreditam que os preços não se constituem em problema.

Cultura para quem?

Shows com preços acessíveis, eventos em praças públicas, museu com entrada franca, passeios históricos ao ar livre e peças teatrais com valores irrisórios existem pela cidade, mas quando se trata de ícones históricos, com presença no Rio, os eventos reúnem apenas a elite carioca. No entanto, cultura deveria ser para todos. “O governo ou os realizadores dos eventos elevam o valor dos ingressos com o objetivo de elitizar ou tentar fazer isso. E, dessa forma, a classe baixa tem que se contentar com os shows gratuitos nas areias de Copacabana e no Piscinão de Ramos em épocas festivas. Não há igualdade em nada, no final das contas, todo mundo é separado pela classe social”, indigna-se a estudante Tamires Ribeiro.

“A precificação atual de alguns grandes eventos tem como consequência elevar mesmo os níveis das pessoas no local, acredito. Mas existem eventos gratuitos, como o Rio Cello Encounter, por exemplo, onde a maioria faz parte das classes mais altas, como A e B. Na verdade, percebo que o maior problema atualmente recai sobre a meia-entrada para estudantes. Os organizadores de grandes eventos andam dobrando ou quadruplicando os valores dos ingressos para poder cumprir a lei de meia-entrada, que ao invés de possibilitar o envolvimento maior com a cultura, se tornou uma indústria de descontos”, completa a designer e empresária carioca, Cristiana Marroig.

Rio de Janeiro e os maiores eventos esportivos

O brasileiro, culturalmente, gosta e aprecia o futebol. Mas a Copa do Mundo e as Olímpiadas que acontecerão no Brasil, em 2014 e 2016, serão exemplos de como os elevados valores na arte e até no entretenimento segregam a sociedade. Fala-se apenas em valores. A superlotação dos estádios ainda não foi mencionada, já que os clássicos lotam os estádios cariocas sem qualquer esforço e em qualquer época do ano. Mas os cariocas esperam um preço justo para este evento que é uma de suas paixões.

Por Bianca Garcia em O Estado RJ


Observação:
Esta matéria foi publicada no dia 28 de outubro na Editoria Cultura.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Imagine

Imagine um mundo sem autoridade. Um mundo onde todos os espaços são de todos. Imagine um mundo sem shopping center. Um mundo sem passos controlados. Imagine um mundo onde as calçadas são livres para permanecer no caminho e não mais símbolo da miséria. Imagine um mundo onde as pessoas fazem o que gostam e não pensam em quantias. Imagine um mundo onde as pessoas não se preocupam com cores, origens, contas bancárias. Aliás, imagine um mundo sem bancos. Sem bancários. Imagine um mundo sem crianças abandonadas. Sem árvores derrubadas. Imagine um mundo sem fome e sem morte por desigualdade. Imagine um mundo onde as crenças são respeitadas. Imagine um mundo onde existe respeito. Imagine um mundo onde a favela e o asfalto são um só lugar. Imagine um mundo onde os interesses individuais não sobrepõem o interesse coletivo. Imagine um mundo onde não exista uma indústria que fomente a guerra. Imagine um mundo onde não há medo pelo outro. Imagine um mundo onde as ruas são verdadeiramente um lugar de liberdade. Imagine um mundo onde existe liberdade... Imagine um mundo sem poder.

Bianca Garcia